A COMISSÃO ESPECIAL DO SENADO E A AUDIÊNCIA DE JANAÍNA PASCHOAL
Maria Betânia Silva
Reportagem publicada em 02 de Maio de 2016, pela Revista Forum (http://www.revistaforum.com.br/2016/04/29/janaina-paschoal-confessa-ter-recebido-r45-mil-do-psdb-para-elaborar-pedido-de-impeachment/) traz a notícia de que a advogada Janaína Paschoal confirma ter recebido do PSDB o valor de 45 mil reais para elaborar um parecer sobre o impeachment da Presidente Dilma. Nessa reportagem se pode acessar o vídeo do momento em que, perante a Comissão Especial do Senado, a referida advogada diz em alto e bom tom que recebeu esse dinheiro.
Sinceramente, não obstante a doutora Janaína Paschoal venha ganhando espaço na mídia nacional, em especial, naqueles veículos que desde sempre se mostraram favoráveis ao impeachment, não creio que se deva superestimá-la como jurista. Ao que tudo indica, sua produção intelectual até bem pouco tempo não ultrapassava as paredes da USP. Contudo, também não creio que se possa subestimá-la. Antes de mais nada, é preciso se perguntar qual é exatamente o significado dela na deflagração de todo esse processo e ao mesmo tempo buscar entender se ela cumpre ou não um papelespecífico para consagrar os interesses das forças que se opõem a Dilma.
Perante a Comissão do Senado, me pareceu claro que ela não tinha como negar o dinheiro que recebeu do PSDB, mas cabe salientar que em outros veículos de comunicação essa revelação se fez acompanhar da explicação de que o dinheiro lhe foi pago no mês de maio, apenas para elaborar um parecere, o pedido de impeachment ocorreu em setembro.
Pois bem. A partir dessa informação amplamente divulgada,já dá pra ver que a Drª Janaína Paschoal conta parte da História e conta como lhe convém, sem que isso desperte a curiosidade da imprensa em investigar além do que ela declara. E isto se faz necessário porque o seu discurso apresenta contradições que precisam ser enfatizadas para melhor esclarecer a população sobre tudo o que se encontra nos bastidores do golpe travestido de impeachment.
Em uma das inúmeras entrevistas que concedeu, a Drª Janaína Paschoal declarou que se sentia isolada na USP, alegando ser essa universidade um território petista. Tanto que ao comentar o famoso vídeo no qual ela aparece completamente fora de controle num discurso feito na USP, ela justifica a sua performance com o argumento de que fora tomada pelo “estado de júri” - conceito que ela extrai do livro de um Promotor de Justiça que lhe serviu de inspiração. Na linha de raciocínio que ela adota apressa-se em dizer que quando do seu discurso na USP ela foi invadida por uma emoção por encontrar ali, naquele momento, alguns dos seus colegas professores que com ela concordavam sem que ela sequer soubesse disso.
Numa reflexão que não demanda muito esforço, dá para concluir que ela começa a mascarar uma parte da sua Históriana USP, posto que nesse ambiente por ela considerado hostil e que ela afirma ser a sua casa desde os seus 17 anos, está o Dr. Miguel Reale Jr cujo conservadorismo não causa surpresa. Nesse ambiente considerado por ela hostil a quem pensa diferente, ela rompeu todas as barreiras e se tornou livre docente, conta seu mérito sem se revelar, se revelando...Desse ambiente considerado por ela hostil ao pensamento crítico que ela julga ter saiu também FHC de quem ela não está tão longe quando se põe no polo oposto àquilo feito pelo PT. Não exatamente como FHC, a Drª Janaína também sobeao pedestal para afirmar que não suporta o monopólio do discurso assumido pelo PT.
Na prática, para além daquilo que ela falou sobre a sua solidão intelectual na USP sabe-se que deliberadamente ela omite, mas certamente nunca negará que foi orientanda de Miguel Reale, assim como de Hélio Bicudo.
Esses dados - reais e públicos que não foram lembrados por Drª Janaína – são suficientes para concluir que ela nuncapoderia ter falado em solidão intelectual. Ela conhecia bem as pessoas com as quais poderia trocar ideias. E essa circunstância é perfeitamente cabível para supor que ela agiu de forma a levar adiante o projeto elitista do PSDB assim como reforçar o golpe protagonizado pelo PMDB, sob a forma de impeachment.
É perfeitamente possível supor que é nesse projeto que ela acredita profundamente, tanto que o defende com certa tranquilidade e de forma muito bem concatenada numa entrevista perante um ou mais jornalistas sem nenhuma dificuldade. De outro lado, defendê-lo perante um quantitativo maior de pessoas como correu na USP ou sobre um caminhão numa manifestação de rua em SP, em 2015, isso a inflama a ponto dela incorporar o papel de que vai salvar a pátria. Coisa, aliás, que diante das câmeras ela tanta disfarçar, condenando a ideia de que alguém possa ser o Salvador da Pátria.
O que me parece muito preocupante nisso tudo, é o fato de que a Drª Janaína Paschoal constrói o seu discurso apenas sobre as falhas do PT, como se os outros partidos que estiveram no poder ao longo da História do Brasil nunca tenham cometido falha alguma. As falhas do PT não são uma novidade para ninguém e respondem mesmo pelo ressentimento de muita gente em relação ao partido. Contudo, o discurso veiculado pela Drª Janaína superdimensiona a responsabilidade do PT, isolando-o na História do país sem mencionar os sucessivos boicotes que esse partido sofreu pelo PSDB e pelo PMDB para desnaturar alguns dos seus setores, fazendo-o claudicar em relação a alguns dos seus ideais.
Um olhar mais atento do que vem sendo a aparição da Drª Janaína Paschoal é suficiente para concluir que as suasperformances nas entrevistas seja para o Roda Vida ou para o Estadão, por exemplo, só aparentemente é imparcial, sendototalmente parcial em relação àquilo que ela persegue como seu objetivo: destruir o Partido dos Trabalhadores e abrir o maior espaço possível à liberdade conclamada numa ideologia neoliberal em detrimento de uma sociedade capaz de consagrar de forma balanceada os valores da igualdade e da liberdade.
Não por acaso o seu discurso coincide em gênero, número e grau com o discurso hegemônico que caracteriza uma parcela da sociedade, boa parte da imprensa e que também orientam as ações tanto do MP quanto as reticentes decisões do Judiciário, quando este profere alguma, de relevância para a saúde política do país. Não por acaso, a Drª Janaína Paschoal é aquela pessoa que nesse momento atual do Brasil se auto intitula de representante da sociedade civil, sem dizer que ela, na verdade, representa aquela parcela da sociedade quepoliticamente se vê representada pelo PSDB e pelo PMDB e alguns outros partidos bem conservadores quanto ao reconhecimento de direitos civis, aos quais, por razões que não são sequer ideológicas, se opõem a Dilma. É preciso enfatizar que a Drª Janáina Paschoal quando confrontada, numa entrevista, a dizer algo sobre o aborto primeiramente tergiversou para enfim chegar ao ponto em que precisou dizer o que tentava silenciar. Isso causa estranheza em se tratando dela, uma pessoa que não foge à luta! Logo ela que assegura ser sempre contundente, teve o cuidado, nesse momento, de desviar o tom da conversa e falar em planejamento familiar e até de parto anônimo (algo que muito se aproxima do que ocorreu na Inglaterra na época vitoriana), evitando, portanto, dizer de forma contundente que era contra o aborto: algo que é tão controverso que poderia ser dito na serenidade em que ela se encontrava e por ser simplesmente a sua opinião e, finalmente, porque, como ela firma, a sua disposição é sempre dizer o que pensa.
É necessário pontuar também que a aparição da Drª Janaína Paschoal repetindo o bordão de uma sangria generalizada nos cofres públicos sob o governo do PT é aquele que os desavisados repetem; que os ressentidos com a atuação do PT consideram e que ambos são levados a crer como uma verdade absoluta. Ninguém se pergunta sobre os fatores que, efetivamente, desencadearam a atual crise econômica brasileira, pensa-se na crise como resultado da sangria que a Drª Janaína Paschoal anuncia, como se o Brasil estivesse isolado do resto do Planeta sem se deixar fisgar pela rede econômica internacional.
Convém atentar, ademais, que acostumada a falar em público,Drª Janaína Paschoal carrega consigo um binóculo e uma caixa de pandora pré-moldada. Com o binóculo, enxerga a História do país: o passado e o presente sem lente caleidoscópica limitando o campo de visão no qual o seu discurso se edifica e, ainda, com ele evita olhar nos olhos daplateia. Já na caixa de pandora confina o PT, trancando-o com as chaves que ela própria fez.
A minha preocupação com o espaço ocupado pela Drª Janaína Paschoal, nesse cenário que antecede a votação do impeachment no Senado, cresce na razão direta em que não vislumbro por parte dos jornalistas independentes uma análise mais crítica sobre o que ela anda propalando. As coberturas sobre o que ela tem dito não demonstram, de forma analítica,quão parciais e falaciosos são os argumentos que ela utiliza e que ela invoca como aquilo que lhe confere a qualidade de porta-voz da sociedade civil em oposição ao governo Dilma.Pior do que isso é identificar a tendência – entre os seus críticos - em adjetiva-la negativamente, qualificando-a de louca, possuída, pomba – gira etc, deixando de lado o trabalho de enfatizar os argumentos contra ela que emergem de sua própria fala.
É preciso dizer em alto e bom tom - num tom maior do que aquele comumente adotado pela Drª Janaína Paschoal- que a atuação dela em todo esse processo não se resume àquele de ser uma professora livre-docente da USP, alguém que, por fidelidade à sua consciência, arregaçou as mangas para lutar pelo povo brasileiro. É preciso enxergar que ela conta meias verdades porque tudo o que até aqui defendeu coincide com o projeto das forças de oposição a Dilma. Aquilo que ela aponta como sua luta não é isolada nem nasceu de um mero acaso, é bem provável que tenha nascido de uma articulação, de algo bem orquestrado como se tem dito sem, no entanto, costurar os fatos.
Ela tem se esforçado a dar a impressão que saiu do nada para fazer tudo!
Retome-se a aqui a confissão dela de haver recebido os 45 milreais. Na realidade ao fazer essa confissão ela apresentou também a desculpa de que foi apenas contratada pelo PSDB, o que é portanto a prova de que não pertence ao partido. Sucede que com esse argumento ela mastiga a própria língua para alguém que se declara tão verdadeira nos seus propósitos. Topou elaborar um parecer sob encomenda e, porele, receber uma recompensa. Se tinha tanta convicção do que pensava e desejo cívico de contribuir para o melhor do país, o parecer sequer teria sido encomendado; se ela já se dava ao trabalho de acompanhar de perto a execução do orçamento do governo Dilma, como declarou em uma entrevista, já acumulava material para escrever um parecer na qualidade de professora da USP sobre o assunto que a tormentava.
A insistente negativa da Drª Janaína Paschoal de que não temqualquer vinculação a partidos se desfaz ao vê-la vestindo verde e branco numa manifestação que teve o apoio ou organização do MBL, ou, ainda, vestindo amarelo na sua aparentemente casual participação na USP na reunião pró-impeachment.
Por tudo o que ela vem revelando nas entrelinhas de sua fala, na contenção de seus gestos e/ou na exacerbação deles, posso também supor que a sua confissão quanto aos 45 mil que recebeu do PSDB já era algo por ela previsto, senão uma estratégia do jogo que ela decidiu jogar. Mais uma vez, creio que é preciso desatar os nós da corda na qual ela se equilibra.
Um desses nós ela própria desatou quando disse aos senadores que não admitia que ela fosse chamada de tucana e nesse impulso disso algo mais ou menos assim: "... o PSDB é uma oposição fraca, agora, olhem para mim, para minha personalidade, digam se eu sou tucana?!" .
Deve-se observar que com esse argumento, ela não desqualifica o PSDB, diz apenas que é uma oposição fraca mas, ao mesmo tempo, se coloca como superforte. A Salvadora da Pátria, talvez!
É uma pena que a essa firmação dela no senado tenha se seguido um silêncio. É uma pena que não tenha havido ninguém para emparedá-la perguntando-lhe porque, então, topou receber 45 mil de uma oposição que considera fraca para elaborar o parecer? Teria sido apenas para fortalecer a oposição ao governo Dilma? Teria recebido algo mais, depois de haver redigido a petição do impeachment?
Cabe sublinhar, ainda, que a Drª Janaína mapeou muito bem o terreno no qual agora passeia. Tanto que se refere a um impeachment baseado num tripé: mensalão, petrolão e pedaladas. Ou seja, ela se valeu de uma hermenêutica jurídica que dá ao processo de impeachment uma lastro duvidoso.
Precisou de 65 páginas para construir um raciocínio que levasse à tipificação da conduta da Presidente Dilma e que ela tanto ataca, não podendo apontar os decretos de abertura de crédito exclusivamente como o fato que fez subsumir a conduta da Presidente à norma legal proibitiva.
Invocou por isso mesmo o mensalão e o petrólão para tentar dar robutez ao que não tinha, sendo certo que primeiro desses processos é algo que se circunscreve ao governo de Lula e não ao de Dilma e que em relação a Lula não vingou. Com isso, a Drª Janaína Paschoal buscou simplesmente garantir o encarceramento do PT, como seu alvo principal, afetando a Dilma por tabela. Essa petição de impeachment que ela subscreveu se alinha ao ataque jurídico-político seletivo que pretendeu arrebentar não apenas o PT, mas o futuro do BR.
Mas sobre o futuro, a Drª Janaína Paschoal se mostra confiante numa sociedade dividida, numa sociedade que vai aos poucos se esgarçando. A Drª Janaína crê que ela está contribuindo firmemente para o futuro do Brasil e até - tentando ser discreta e buscando falar em tom de brincadeira, sem, no entanto, conseguir - se gabou durante uma entrevista de haver influenciado os votos proferidos pelos deputados em favor do impeachment. Segundo declarou, na véspera dessa votação, postou um vídeo na internet no qual dizia aos deputados que pensassem em suas famílias. Como muitos deles se referiram às suas famílias, ela acabou dizendo que se sentiu homenageada.
Por fim, dentre outras razões, a Drª Janaína Paschoal aplaudiu o desempenho da Câmara na noite do dia 17 de abril, afirmando que ela deu provas de democracia e representa muito bem a sociedade brasileira. Novamente, tomou a parte pelo todo. Tem razão quando diz que a Câmara Federal representa a sociedade brasileira, mas esqueceu de esclarecer que - no seu todo – essa representação é só em tese. Na prática, a Câmara não revelou a profunda divisão de opiniões que se sente nas ruas e na qual a sociedade civil brasileira se encontra hoje mergulhada. Para uma jurista de percepção crítica ela está longe de apreender a realidade que se desenrola diante dos seus olhos.
Links:
horadacoruja.com.br
https://www.youtube.com/watch?v=98Q6gEMvqaY – manifestação ocorrida em agosto 2015
Nenhum comentário:
Postar um comentário