Todos os anos me deparo com uma lista de filmes cotados para concorrer ao Oscar e paro para assistir o máximo que posso até a data da cerimônia, sempre dando palpites e rendendo boas discussões junto a amigos sobre as películas que acredito que sairão vencedoras e até mesmo como uma forma de me sentir mais incluída nessa atmosfera da grande festa mundial do cinema.
Esse ano temos na lista o filme “A filha perdida”, adaptação de um livro homônimo de Elena Ferrante, sob a direção de Maggie Gyllenhaal que estreia na função nos contando a história de Leda (Olivia Colman). No início somos apresentados a uma atmosfera tranquila, feliz e solar onde uma professora universitária de literatura passa suas férias, mas que rapidamente é modificada com a chegada de uma ruidosa família de ascendência italiana nas calmas areias gregas.
E é assim que nossa personagem Leda se depara pela primeira vez com Nina (Dakota Johnson) e sua filha,Elena. A película nos faz essa primeira apresentação da relação mãe e filha de forma leve e feliz, mas cuja casca vai sendo retirada para nos mostrar algo mais íntimo: a grande responsabilidade dos cuidados maternos.
Pode se pensar, num primeiro momento, e até por conta do título do filme, que a narrativa irá se desenvolver em torno de Leda e Elena, no entanto é Nina quem ganhará a atenção e curiosidade da personagem principal que se vê um pouco naquela jovem mãe, que apesar da aparente felicidade, começa a demonstrar cansaço e o inegável “peso” da sua função. O filme vai nos trazendo essa relação entre as personagens por meio de flashbacks da experiência de uma jovem Leda (Jessie Buckley) e suas duas filhas, Bianca e Martha
O longa me fez refletir sobre alguns pontos e o primeiro e mais latente seria o “peso” da maternidade e me permitam aspear para localizar o adjetivo na minha percepção individual, talvez ainda incompleta pela ausência dessa vivência na minha própria vida. Bem, sempre tive a sensação de romantização da experiência materna, da ideia equivocada de completude feminina ao se tornar mãe, como se a faceta mais importante, ou talvez a única, de nós mulheres fosse essa. Não haveria sonho maior, não haveria realização maior para uma mulher do que ser mãe.
Entendam que não duvido, claro, que existam mulheres que se sintam assim, mas o que aqui lanço luzes é a tendente generalização desse pensamento e a crítica velada de muitos às mulheres que optaram por não ser mãe. Não acredito errado ou certo, já que a mim não cabe essa escolha de percepção pessoal. Apenas quero criticar a imposição social dela a todas as mulheres. Cabe a cada uma de nós, dentro da nossa bagagem pessoal, escolher qual o lugar de cada coisa na nossa estante da vida, cuja organização apenas a nós mesmas condiz.
Um segundo ponto que também foi tratado de forma extremamente realista é a divisão nada equânime da tarefa na criação e cuidados dos filhos menores que, em grande parte fica a cargo das mulheres. Claro que existem situações diversas, não queremos aqui cometer o erro da generalização das realidades subjetivas que são plurais e diversas, mas o que percebo com maior frequência é um protagonismo feminino nesta função. Num breve olhar sobre meu núcleo familiar e de amizades, percebo muitas mães cansadas e algumas até exaustas tal qual as personagens Nina e a jovem Leda do início do filme, já que em grande parte das vezes as crianças ficam mais aos cuidados maternos do que paternos, sobrecarregando essas mães num trabalho de vinte e quatro horas diárias, “oito”vezes por semana. Esse esgotamento foi muito bem trabalhado nos flashbacks da personagem principal, onde podemos encontrar uma sempre cansada e insatisfeita Leda que em vários momentos, seja de trabalho ou pessoal, é solicitada por uma de suas filhas por atenção ou cuidado, enquanto seu marido alega estar trabalhando. O cansaço de Nina também é trabalhado na película, porém de forma mais difusa, demonstrando uma escolha da diretora pela perspectiva de Leda para narrar a maternidade sob essa ótica.
Um terceiro ponto é a questão da “culpa”, que talvez tenha sido o elemento central do filme. Culpa por não optar por algo que geralmente é esperado de nós mulheres, o que culminou em uma personagem dividida entre o seu crescimento profissional, uma vida pessoal mais adulta e a tarefa de ser mãe. Claro que estamos falando de uma realidade que não é nossa e que só a Leda caberia sopesá-la. É preciso dizer também que muitas mulheres conseguem conciliar com maestria todas essas funções, mas esse não era o caso da nossa personagem que se viu em uma encruzilhada entre um caminho de oportunidades acadêmicas em contraponto com a sua vida como mãe. E é essa escolha que a assombra, mesmo que, segundo a própria Leda a experiência tenha sido maravilhosa, o fato é que o remorso lhe persegue, mas será que esse sentimento era realmente seu, ou uma construção do que era dela esperado socialmente como seu papel como mulher? A resposta a esse questionamento não nos fica claro.
O que se percebe claramente na película o quanto esse papel lhe era mal vindo, mas que talvez a sociedade lhe jogasse nos ombros no melhor estilo: a mulher só se completa ao ser mãe, e, perceba aqui uma crítica apenas a generalização e não a alegação em si. O fato é que, o filme trata de forma realista e extremamente íntima as dores e as delícias de ser quem se é e de como lidamos com nossas escolhas e caminhos.
Willaine Araújo - Doutoranda em direito pela UNICAP, professora de direito constitucional.